Guns N' Roses: Confira entrevista de 1988


Na semana em que se comemora os 28 anos do lançamento de “Appetite For Destruction”, do Guns N' Roses, revisitamos uma entrevista feita em 1988 – ano em que o disco finalmente chegaria ao topo das paradas – para Bill Holdship, da revista SPIN. Em meio à polêmica da capa original do LP, a reputação de noiados dos integrantes e a prisão de dois membros sob acusação de estupro, o jornalista acabara descobrindo que eles eram na verdade jovens muito afáveis.

Traduzido por NACHO BELGRANDE

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Se você não se informar, você jura que o Guns N’ Roses é apenas mais uma banda da cena do metal de LA, tentando ser os mais novos e devassos sujeitos do pedaço, esperando eventualmente formar uma corporação e que possam comprar shopping centers e tudo mais – e que não sabem o que é um riff de rock decente nem que se esfregue-o na cara deles.

Antes de eu mudar para LA, mais de um ano atrás, o nome do Guns N’ Roses já corria pelas ruas, e apesar de eu não saber nada sobre a música da banda na época para poder lhe contar, não foi difícil descobrir que a capa do LP de estreia deles, “Appetite For Destruction”, havia ofendido muita gente com sua imagem de estupro [tanto que a gravadora Geffen lançara uma segunda capa].

Claro, havia muito sendo falado sobre eles em outros campos também. Quando a banda tocou em um enorme concerto beneficente com um elenco de astros do heavy metal sob o nome ‘The Party Ninjas’, eles supostamente roubaram a cena. Quando Alice Cooper tocara recentemente em Long Beach, três membros do GN’R subiram ao palco com ele para o bis, ‘Under My Wheels’, o que muitos disseram ter sido o único destaque do show [Cooper acabou por levar a banda para o estúdio para regravar a faixa]. Claro, nada disso por soar como grande coisa, considerando a competição, mas daí eu me encontrei com um cara que eu conhecia e que estava saindo de uma festa bem cedo apenas para ver a um show do Guns N’ Roses.

“Eu não sabia que você gostava de heavy metal”, eu disse [tipo, a banda favorita de todos os tempos desse cara era o MISSION OF BURMA]. “O Guns N’ Roses não é heavy metal”, ele respondeu. “Acredite em mim, eles não são. ”

E quer saber? Ele estava certo. Ah claro, Appetite For Destruction parece totalmente irresponsável socialmente, machista e totalmente repreensível por vezes. Mas quer saber o que mais? A música é excelente. Esses caras desfilam suas influências com orgulho como se fossem bandeiras – e todas as influências estão obviamentw ali, não somente o Aerosmith, Led Zep, Alice Cooper antigo, e Black Sabbath, mas também NY Dolls, Stones, Ramones, Cheap Trick, Iggy e os Pistols, assim como Bo Diddley, cujo clássico riff cria “Mr. Brownstone” do GN’R. Esses caras tocam ‘Heartbreak Hotel’ ou ‘Jumpin Jack Flash’ ao vivo de vez em quando.

As guitarras de Izzy Stradlin e Slash estão mais interessadas em tocar melodias e riffs de rock do que em demonstrar seus Eddie Van Halenismos – e o resultado é bem impressionante em ambos os casos. A cozinha com o baixista Duff McKagan e o baterista Steven Adler obviamente já escutou a MC5 por aí. E o vocalista e ponto de foco da banda, W. Axl Rose – ou apenas Axl – é um homem de mais vozes do que qualquer vocalista de hard rock da história recente. Esse é um disco que pode fazer de fato com que você queira tocar guitarra imaginária de novo.

Há algo mais de diferente no Guns N’ Roses. Apesar de suas músicas serem sobre a década que se associa a Hollywood, também parece haver um sobretom estranho e moralista em algumas. Ou pelo menos uma música como ‘Welcome To The Jungle’ reflete mais o cenário pornográfico em volta da banda de jornais que eu geralmente frequento do que qualquer outa música que eu consiga lembrar.

O Guns N’ Roses parece estar compondo sobre as coisas que eles vêem na cidade, mas não necessariamente as glamourizam. ‘Mr. Brownstone’ pode ser interpretada tanto quanto uma ode anti-heroína como uma saudação à droga, e porra, você pode dizer a mesma coisa sobre ‘Heroin’ do Velvet Underground. Mesmo os excessos celebrados em ‘Its So Easy’ parecem ser transmitidos com uma indiferença passiva. Um forte regime de decadência pode ficar muito chato, ou pior. E letras como ‘Take me down to Paradise City, where the grass is green and girls are pretty’ não são exatamente sua celebração padrão do sleaze, enquanto algumas das canções de amor de Axl [‘Sweet Child O’ Mine’, ‘Rocket Queen’] revelam um coração pulsante por debaixo do exterior hardcore. Além disso, se eles de fato fossem um bando de desclassificados… bem, nós não deixamos de escutar a ‘Paint It Black’ apenas porque Keith Richards tomava nos canos.

Ainda assim, há essa imagem de reputação com as quais há de se lidar. O pessoal da Warner, selo que comanda a gravadora do GN’R, escreveu cartas repulsivas a eles sobre a capa do disco. Esses caras desfrutam de má reputação até entre seus colegas, e não conseguem entrar em certas turnês como resultado. O AC/DC ofereceu a eles a abertura de uma tour, mas queria segurar o pagamento pelas primeiras três semanas, e daí tirá-los da turnê ao fim desse período; eles recusaram a oferta. Os organizadores da vindoura turnê Monsters of Rock desse verão [Com Van Halen, Judas Priest, Metallica, etc.] não quiseram nem saber da banda. “Mas enfim, o que é que eu vou fazer a eles? ” questiona o guitarrista Slash, cujos olhos só aparecem de vez em quando detrás de sua montanha de cabelo tipo Joey Ramone. “Vou viciar o baixista do Van Halen ou do Judas Priest em alguma droga? Somos apenas um bando de moleques, você sabe. ”

Três desses jovens – Slash, Izzy e Duff – estão sentados num silencioso restaurante mexicano em Sunset Boulevard, conversando com um cara mais velho que gosta da música deles, mas não entende a imagem deles [Axl, mantendo sua aura mística, não aparece para o papo, apesar de ter prometido telefonar depois]. Eles têm entrado e saído de bandas desde os 14 anos de idade, o que foi 10 anos atrás. Nenhum deles é originalmente de Los Angeles, apesar de Slash ter se mudado para cá vindo da Inglaterra com seus pais anos atrás. Axl e Izzy ambos imigraram de Indiana, enquanto Duff é de Seattle.

A banda se formou para dar um show de 50 dólares em Seattle três anos atrás – depois de pegarem carona pelo deserto após seu carro quebrar – e seguiu a partir dali. Um ano depois, eles estavam com um contrato com uma gravadora, sem empresário, negociaram eles mesmos o acordo, algo bastante incomum para esse ramo. Eles afirmam que estão em uma banda de verdade e que são excelentes amigos entre si, criam tudo juntos e são um esforço conjunto, e se concentram muito em sua música. E – eu odeio ter que matar a ilusão aqui, mas – eles são sujeitos legais [‘Você não vai imprimir isso, vai? ’ um dos divulgadores deles me pergunta na manhã seguinte] … ou pelo menos eles estão querendo me impressionar demais. Claro, eles gostam de beber muito, mas até aí os Replacements de Dean Martin também.

Mas então por que a reputação de ‘bad boys’?

“Eu não sei, ” diz Slash. “Porque bebemos e usamos seja lá o que for, e somos basicamente pessoas comuns ao ponto que eu acho que acaba ofendendo aos outros. ”

“Eu fico imediatamente constrangido quando essa imagem vem à tona”, diz Duff. “Muitas bandas pensam: ‘Beleza, pegamos fama de ‘bad boys’ essa semana’, mas somos apenas uma banda de rock n’ roll. Muitas das coisas que acompanham isso nos proporcionam vantagens de vez em quando. Estávamos fazendo tudo isso antes de estarmos na banda. Não tentamos criar nenhum tipo de imagem. Ela foi criada para nós. A decadência foi jogada em cima dessa banda. ”

“Bem, algumas daquelas festas nas antigas eram bem brabas”, ri Izzy.

“Você já ouviu a algumas daquelas histórias antigas dos Stones, certo? ”, pergunta Slash. “Foi meio que a epítome daquilo. A coisa é, nós não engolimos nada dos outros, e nunca nos conformamos com os padrões de outras pessoas, e a maioria das pessoas com as quais tivemos que lidar na época ouviam nosso ‘Vai se foder’. Então foi tipo ‘meu deus! ”

“Mas não foi de pirraça”, explica Duff. “Foi só o jeito que estávamos acostumados, mas a indústria e a gravadora não estavam. ”

“Se eu me lembro direito, eles quiseram nos dispensar a certa altura”, conta Izzy. “Cerca de um ano depois de nos contratarem. ”

Slash: “Bem, o que aconteceu é que ficamos inquietos. Nós somos contratados, eles nos dão um monte de dinheiro, nos colocam em um apartamento, nós não podemos sair e fazer shows – então ficamos entediados, e começamos a usar muita droga, beber demais, quebrar casas. Cada um de nós ficou com 7500 dólares – o que ninguém aqui nunca tinha tido no bolso. ”

Izzy: “Enfiamos o pé na jaca por duas semanas. ”

Slash: “E simplesmente todo empresário que conhecemos ficou cagando nas calças de medo da gente. E tava feio. Não conseguíamos evitar isso. Estávamos entediados. Então começamos a fazer merda. Mas finalmente nos organizamos e demos a ele o que eles queriam. ”

Izzy: “Daí agora todos eles nos amam. ”

E quanto às acusações de estupro?

Slash: “Nada demais. O que aconteceu foi que Axl e eu estávamos com duas minas, e elas entraram em uma situação sexual e decidiram prestar queixa de estupro. Eu e Axl tivemos que pegar ternos emprestados um dia para ir até a delegacia e nos entregarmos por causa dessa merda – e daí quando a coisa engrossou mesmo, elas retiraram as queixas porque era mentira. Não fizemos merda nenhuma com elas. ”

Izzy: “Acabou que nosso baterista tinha comido a mãe de uma delas, então era uma história meio complicada. ”

Eles se identificam com a cena do metal?

Izzy: ‘Temos encordoamento de metal nas guitarras. É a única similaridade que temos. ”

Slash: “É tipo esse novo cliché dizer, ‘Não somos uma banda de heavy metal. Somos uma banda de rock n’ roll’. O Poison e todo mundo diz isso, então eu nem posso mais dizer isso. Mas a verdade é que quando o rock era jovem e tudo mais, as bandas eram autênticas e sinceras – a única porcaria era o ramo musical em si. Mas agora, para vender, as bandas aceitam o que a gravadora quer, e as revistas agem de acordo com o que está vendendo, então elas se juntam para criar algo como toda essa modinha de merda. Quero dizer, basta você olhar, e ver, ‘Porra, é tudo tão forjado’. Quer dizer, claro que somos um produto do som com o qual crescemos, seja lá qual ele tenha sido. Mas é assustador porque as próximas gerações do rock – já ficou assim – vão ser um bando de imbecis, porque essas bandas não estão fazendo nada que seja interessante ou sequer educativo a nível de rock. É tudo lixo.

“Digo, você não pode estar em uma banda de rock n’ roll e suas raízes serem de até cinco anos atrás. Que porra é essa? Como resultado, agora temos bandas como o Kingdom Come, e o Led Zeppelin deles…”

Izzy: “… regurgitação. ”

A coisa mais irônica nessa entrevista é que esses caras acabaram sendo bastante amigáveis. Mesmo com os fetiches por Johnny Thunders e tudo mais. Eles são passionais por certo tipo de música de um modo que eu já fui antes, e eles são impressionantemente não-deslumbrados, apesar do tamanho que chegaram a ficar. E todas as indicações o mostravam como infalíveis cuzões.

Duff: “O que fica na minha cabeça na maioria das vezes em que vou dar entrevistas é o porquê de alguém querer saber sobre mim e o que se passa pela minha mente. Eu não entendo que seja apenas porque somos uma banda de rock. Estamos apenas tocando. ”

Slash: “No esquema geral das coisas, nós e outras bandas somos bastante insignificantes quando olhamos para o resto do mundo. E as bandas que pensam que são o centro do universo, isso me enoja. Basicamente, o rock n’ roll é um afrodisíaco para as pessoas que têm empreguinhos normais e tudo mais, e é o flerte delas com a liberdade total e com a anarquia e seja lá o que signifique ouvir a rock n’ roll. Mas se sumíssemos amanhã e o Guns N’ Roses sumisse amanhã, ninguém vai ligar a mínima [todos riem]. ”

Duff: “E também, nós tocamos em alguns lugares bem grandes, e todo mundo ficou louco, e nós olhamos um para o outro, e é tipo, ‘Pra quê tudo isso? ’ E daí temos que dar entrevistas e tudo, as pessoas levam isso bem a sério e te cercam – daí você responde no mesmo tom, ‘Por que é que você quer saber disso? Isso é ridículo. ’ E talvez seja uma banda que seja diferente das que têm aparecido faz um tempo, o que eu acho que somos. Mas até aí, abraçar tanto a coisa e achar que você é…”

Izzy: “…isso tudo…”

Duff: “… e algo como o Golfo Persa não importar…”

Como eu disse antes, adoráveis.

UM TELEFONEMA DE AXL:

Me disseram que você está fora de controle.

“Eu? Bem, talvez fora do controle deles. ”

Você acha que a gravadora fez com que vocês manufaturassem rebeldia?

“É meio estranho, porque apenas estamos sendo nós mesmos, mas ao mesmo tempo, essas imagens de ‘bad boys’ tendem a vender bem. Então, eles capitalizam em cima disso, e eu acho que a indústria pode não saber como lidar com isso porque ela tem lidado com bandas enlatadas faz anos. Mas daí há algumas bandas que projetam um tipo de imagem do que vivem e da vida que levam, mas não é algo que elas de fato pratiquem. Elas tendem mais a ficar em casa. Eu fico muito em casa, de modo que eu não saia e entre em alguma roubada com a qual eu necessariamente não queira me envolver. ”

Heavy Metal?

“Gostamos de vários tipos de música. O que acabou transparecendo naquele disco é que as músicas que compusemos são aquelas com as quais nós mais nos divertimos. Não chamamos aquilo de heavy metal, mas de hard rock. Nós fizemos dois shows em Anaheim recentemente nos quais fizemos uns lances meio country e rolou muito, muito bem. Temos coisas acústicas gravadas para o próximo disco, eu acho que teremos uma gama muito ampla de coisas para oferecer às pessoas – mas sem privar o som de guitarras altas porque isso é algo do qual eu sou fã. No momento, minhas músicas favoritas são ‘Man In The Mirror’, de Michael Jackson, e ‘Fab’, de George Harrisson – então eu tento me manter aberto a todos os tipos de coisa. Não é cool no mundo do rock curtir a George Michael, mas ele fez coisas excelentes em seu último disco. ”

“It’s So Easy”

“E é fácil mesmo. Se você quiser desaparecer por um tempo, e daí voltar, logo na primeira noite, quer você queira ou não, já está lá – 200 pessoas na sua frente com isso e aquilo. ‘Aqui, cheira um pouco aqui, eu tenho heroína…’ Você pode escolher fazer ou não, e se não o fizer, fica meio estranho. Mas às vezes é meio deprimente. ”

Sobre responsabilidade:

“Meio que me surpreendeu ver tantos jovens vindo ao show. Nada contra os jovens, mas não compusemos nossas músicas com ninguém em mente senão as pessoas sobre as quais estávamos escrevendo e a cena de Hollywood. E, em Hollywood, a maioria das casas noturnas não permite menores de 21 anos, então não estávamos escrevendo para garotada. Eu não estou encorajando um moleque de 13 anos a usar drogas. Apenas estávamos escrevendo sobre algo que ocorrera em nossas vidas. É estranho que é quem venha aos shows, e eu me pergunto onde estão as pessoas mais velhas estão, mas eu até que sei: elas vão a shows de Bruce Springsteen porque eu não estou escrevendo sobre as coisas que ele escreve. Eu não estou escrevendo sobre ter um emprego no Meio-oeste e coisa e tal. ”

Outras curiosidades:

Ele escreve sobre ‘coisas que de fato aconteceram’; sua namorada [e tema de ‘Sweet Child O’ Mine’] é a filha de Don Everly; ele toca piano; e ele começou a cantar aos cinco anos de idade, mas nunca quis ser cantor porque não gostava de sua voz. E quanto à infame capa do disco? “Era um cartão postal chamado ‘Appetite For Destruction’ que eu achei e mandei de brincadeira, e os outros caras curtiram. Eu tinha o visto em um livro antes, e gostei da ilustração porque eu sou fã desses quadrinhos estranhos, pornográficos do underground. E daí isso virou que estávamos incentivando estupro e tudo mais. ”

“Eu não consigo acreditar que todo mundo tenha feito tanto barulho por causa de um cartão postal”, diz Izzy.

Slash me convence a dar uma carona a ele e sua namorada [ele mora em um motel da rede TraveLodge] para a casa em Hermosa Beach. Ele me diz que, sendo novato com esse lance de status de celebridade [“Tínhamos que sair procurando por drogas, agora o povo quer enfiar elas na gente”], ele eventualmente teve que sair de Hollywood para manter as coisas sob controle. Ele faz com que eu me perca nas pistas expressas da Califórnia por mais de duas horas. “Desculpa. Cara. Eu sempre estou chapado quando saio de Hollywood, então eu esqueço o caminho. ” Ambos concordamos que quase toda música na estação de rádio especializada em heavy metal que está tocando ao fundo soa igual, e que a versão de ‘Johnny B Goode’ do Judas Priest não tem nada a ver com a de Chuck Berry.

© Bill Holdship, 1988


Fonte: whiplash.net

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